Olho de devorador de jornal é o primeiro, que vê as coisas efêmeras que logo estarão esquecidas.
O outro é o olho que vê as coisas que não envelhecem e ficam sempre jovens. Quem vê com o segundo olho são os poetas.
Livro de poemas não fica velho, Chronos não pode com ele.
Os gregos tinham consciência desses dois tempos e usavam palavras distintas para cada um deles.
Chronos era o tempo medido pelas batidas do relógio e marcado pela rotação dos astros.
Kairós era o tempo medido pelas batidas do coração e marcado pela pulsação da vida.
Rubem Alves
RocksandflowersdeMikeMills.jpgAté que a semente se desenvolva e chegue à flor existe o tempo, a qualidade desse tempo e como é experienciado.
Sabemos que o bebê necessita do intervalo entre as atividades para que possa interiorizar a experiência vivida e registrá-la em sua psique através do corpo. Depois de mamar, existe o tempo de acolhimento no colo da mãe até que dê sinais de que a experiência foi digerida. É aquele pequeno arroto que todos esperam antes de colocá-lo no berço novamente.
Depois de assistirmos a um filme, de vivermos alguma experiência significativa, precisamos de um período de tempo para que possamos absorver as sensações, as imagens, deixar que elas se assentem dentro de nós, que promovam reflexão, transformação.
Existe um tempo cronológico, nome este que vem de Chronos, deus grego, que reinava absoluto por engolir todos os filhos ao nascer até que sua esposa Réia, cansada de se submeter, entrega uma pedra no lugar de Zeus, seu último filho, que ao crescer depõe o pai e inicia um reinado frutífero povoando o Olimpo com seus filhos.
Este é o tempo da nossa sociedade, o tempo cronológico, contado, medido, seqüencial, aonde a vida concreta acontece. Em homenagem a Chronos criamos os mais variados tipos de relógios, alarmes, despertadores para que pudéssemos regular o tempo de duração das experiências.
Em contrapartida, temos Kairós, expressão grega para aquele tempo em que algo especial acontece. Enquanto Chronos é o tempo de natureza quantitativa, o “tempo dos homens”, Kairós é usado para descrever a forma qualitativa do tempo, “o tempo de Deus”. O tempo de Chronos tem 24 horas e regula nossas ações enquanto determina a hora para acordar, tomar café, ir para escola, trabalhar e o tempo de Kairós significa “o momento certo”. Não existe relógio ou aparelho para medi-lo porque é subjetivo.
Este tempo da raiz até a flor é um misto de Chronos e Kairós, que juntos mantêm um ritmo e uma profundidade para nossas vidas. Com a rapidez da tecnologia, Chronos volta à sua qualidade tirânica, nos absorvendo em atividades e engolindo nossas possibilidades para reflexão e subjetividade. Corremos o risco de nos tornarmos todos automatizados, com respostas idênticas, expressões massificadas, pensamentos comprometidos com as tarefas e pouco envolvidos com a essência. Nossas expressões são engolidas por Chronos quando não temos tempo nem paciência para escrevermos uma palavra inteira. Nosso vocabulário está sendo engolido, reduzido a caracteres que mais parecem códigos secretos e nesta rapidez de MSN, torpedos, vamos acelerando e talvez correndo o risco de nos distanciarmos para a superficialidade gelada e monocromática. Toda nossa individualidade, nossa essência mais sagrada, entregamos a Chronos. Nesse sentido, nos reduzimos a Réias submissas, oferecendo nossa singularidade para ser devorada pela modernidade e suas imposições.
Somente Kairós poderá nos salvar, na medida em que nos oferece oportunidade para reflexão e insight. Quando abrimos espaço para a meditação, para o imaginar, para o silêncio criativo após uma experiência, uma dificuldade, uma dúvida, estamos criando um ambiente propício para Kairós. Quando oferecemos oportunidade para a compreensão de algum desconforto ou de uma intensa alegria, para “colocar cada coisa em seu lugar”, concedemos um tempo para o psicológico, para nosso mito pessoal, para vivências individuais carregadas de densidade dramática, para o nosso drama pessoal e fundamental.
Existe o tempo de Chronos e Kairós, existe um tempo para construir e outro para o aprofundamento criativo. Há um ritmo entre eles e um entrelaçamento dessas duas instâncias.
Cultivar a flor é cultivar a alma, a singularidade, é respeitar e valorizar a semente que um dia foi colocada no ventre de nossa mãe.
Carlos Drummond de Andrade
A narrativa mitológica é bastante rica em imagens arquetípicas que oferecem metáforas criativas para pensar a experiência e as relações humanas. Uma dessas imagens, o mito de Cronos, historicamente tem sido associada a uma dimensão da temporalidade humana.Segundo a mitologia grega (GRIMAL, 1992), Cronos é filho de Urano e Gaia. Urano ocultava sistematicamente seus filhos, ao nascerem, no corpo de Gaia. Revoltada, ela convence Cronos a enfrentar Urano. Ao lutarem, Urano acaba sendo castrado por Cronos, que assume o poder. Ele se casa com Réia e têm vários filhos. Mas, ao tornar-se o soberano, Cronos aprisiona seus irmãos e passa a devorar sistematicamente seus próprios filhos logo após terem nascido, por receio a uma profecia lançada por Urano, segundo a qual Cronos também seria destronado por um filho. Entretanto, um dos filhos de Cronos, Zeus, nasce e refugia-se em uma gruta, onde cresce em segurança. Mais tarde, Zeus enfrenta Cronos, e o faz libertar os outros filhos que havia engolido.O mito de Cronos oferece elementos simbólicos interessantes a serem explorados para pensar algumas qualidades que o tempo pode assumir, sobretudo como instrumento de poder. A castração de Urano, por exemplo, representa o estancamento da intuição e da criatividade, capazes de antever o futuro. Por outro lado, ao engolir seus filhos, Cronos busca preservar o poder, controlando possibilidades e estabelecendo limites para o futuro. Mas Cronos é incapaz de controlar totalmente as possibilidades do futuro representadas por Zeus, que em silêncio, aguarda uma oportunidade para manifestar-se.Cronos também representa o olhar crítico daquele que avalia possibilidades e limites. Ele simboliza a percepção ou delimitação das circunstâncias temporais (SULIVAN, 1992). As noções de limitação e delimitação estão em estreita relação com à noção de tempo cronológico.
O termo Kairós refere-se tanto a uma personagem da mitologia, quanto uma antiga noção grega para referir-se a um aspecto qualitativo do tempo. A palavra Kairós, em grego, significa o momento certo. Sua correspondente em latim, momentum, refere-se ao instante, ocasião ou movimento que deixa uma impressão forte e única para toda a vida (WEBSTER, 1993).Na mitologia grega, Kairós é um atleta de características obscuras, que não se expressa por uma imagem uniforme, estática, mas por uma idéia de movimento. Metaforicamente, ele descreve uma noção peculiar de tempo, uma qualidade complementar em relação à noção de temporalidade representada por Cronos.Kairós refere-se a uma experiência temporal na qual percebemos o momento oportuno em relação à determinado objeto, processo ou contexto. Em palavras simples, diríamos que Kairós revela o momento certo para a coisa certa. Kairós simboliza o instante singular que guarda a melhor oportunidade, ele é o momento crítico para agir, a ocasião certa, a estação apropriada.Mas Kairós não reflete o passado, ou antecede o futuro. Kairós é o melhor instante no presente. Ele representa um tempo não absoluto, contínuo ou linear, ao contrário do que propõe a concepção newtoniana refletida no tempo cronológico, socialmente estabelecido (ZERUBAVEL, 1982). A dimensão de experiência temporal representada por Kairós instala-se em consonância à totalidade dos elementos individuais envolvidos e à dinâmica de suas relações.http://www.cursoideb.utopia.com.br/tiki-index.php?page=OS+DOIS+TIPOS+DE+TEMPO%3ACHRONOS+E+KAIR%C3%93S
imagens:google
8 comentários:
Astrid,
Lindo, lindo.
Pudéssemos ter Kairós sempre ao nosso lado!
Beijinhos
Sim, Maria Paula, Kairós é o tempo sem tempo...do amor!
Beijão.
Ma Jivan Prabhuta
Astrid
Querida amiga.
Li os dois textos que em tempo Kairosiano teve a virtude de colocar à nossa contemplação do belo, que é tudo o que se refere à Mitologia Grega. Pelos ensinamentos que nos transmite, pela noção de equilibrio, e paz interior face ao desassossego do tempo de chronos. E é de onde nos advém esse desejo de um momento sem tempo, de nos embebermos , ou deixarmo-nos embeber, no néctar absoluto da espiritualidade.
Comoveu-me esta sua explanação, porque foi algo que sempre me moveu, no sentido positivo do ser que vai sendo, o equilibrio. Sempre me moveu em ideia, porque em prática foi chronos quem me regeu e o resultado viu-se!...
Agora estou a tentar recuperar...o Mito e a realidade.
Obrigado por me matar a sede, como se diz por cá.
Beijos de amigo
Astrid, muito obrigado pelo beijinho que agradeço e retribuo.
É verdade faz tempo. :)
O post e o blog são como voçê... Boa onda! :)
Um abraço muito forte.
Paulo
Neo, eu fico feliz que gostou.
É impressionante como é bom e fácil sair do tempo de Chronos e ficar no sem tempo de Kairós.
Basta estar presente no agora e sempre.
Beijo.
Ma Jivan Prabhuta
Paulo,
que alegria ver você por aqui!
Nosso caminho cruza de novo!
Agradeço suas palavras carinhosas e a sua visita.
Um beijo no coração.
Ma Jivan Prabhuta
Entre a raiz e a flor: o tempo e o espaço...
não é de Carlos Drummond de Andrade.
O verdadeiro autor é Jorge de Lima no livro
Poesia completa, org. Alexei Bueno.
RJ: Nova Fronteira, 2008, p.474
Olá Maria José,
seja bem vinda.
Coloquei para pesquisar a autoria desse texto no Google Pesquisa e confirmou a autoria de Drummond.
Não conheço o autor que cita...
Um beijo
Astrid Annabelle
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